quarta-feira, 9 de maio de 2012

Viver o tempo


Agora era chegado o momento em que ela pensou que um dia pudesse não existir. Já não era mais só a saudade leve, doce, cheia de tons de lilás. O desejo do cheiro cheiroso, do gosto gostoso. Bom, tão bom!  A vontade de escutar ele falar de música horas e ver como aquilo era parte intrínseca a ele. Lindo! Ela dizia sempre... lindo! Agora ela respirava profundamente e olhava em seus olhos e ele perguntava – Por que esse olhar? Agora era outro olhar... era o da certeza da distância que se aproximava. Agora era a falta que apertava o peito. O lilás dando lugar à carência de cor. Era o silêncio da ausência que lhe rasgava a garganta. E era mais, era a impossibilidade de tê-lo ali, aqui, pra si. Ela é escorpiana, intensa, deseja possuir fortemente, sem reservas. Ela dizia a ele que crescer dói. E dói mesmo! Tudo era muito cruel com ela. Ela achava que o ideal mesmo era pular daquele barco. Mas ela não queria. Porque era tanto querer, tanto...! A própria âncora era ela. Presa! Medo? Sim! Muitos deles! Principalmente da quimera que um dia se mostraria. Mas ela acha que sabe nadar, e que o medo é bem pequeno perto do querer. Nesse dia que ela fitou seu próprio coração e viu que ele havia ficado bem pequenininho, ela sentiu raiva por ele tê-la achado. Ela estava quietinha em sua redoma bem semelhante a da rosa do B-612. E ele, aquele príncipe... tão carinhoso, de olhar tão profundo, tomando-a pra si. Ela achou que isso não era certo. Mas era verdadeiro, ingênuo e grande. Era justo se privar de tanto querer por medo? Ela não sabe o que fazer, mas sabe o que quer. Quer ter seu Cais perto, dentro, sempre. Mesmo no seu silêncio melancólico sua garganta grita saudade de tudo que poderia ter sido noutro tempo e que achou de se apresentar nesse tempo. Viver a cor, viver o som, viver o querer, viver o tempo. Era isso que ela mais desejava.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Olhos de querer...




Era nos olhos dele que eu fazia morada naqueles instantes.
Todos os dias aqueles olhos eram meus.
Eram um mar de tulipas que ruborizavam o meu ser mais particular.
Sua contemplação ao cruzar os meus olhos, me instava como um canto de sereia.
Era penetrante, agudo, profundo. Não tinha identidade. Era apenas o meu porto, a minha espera.
Não tinha sintonia de palavras. Era uma enxurrada de dizeres.
Como um Cais e eu perdida. Precisava, queria!
Não havia bater de pálpebras. Não havia desvio no olhar. Éramos nada ali.
Só eram eles, os olhos. Independentes. Como se pudessem ter vida própria, comunicação própria.
Perscrutando o meu ser inteiro. Por dentro e por fora.
Saltavam, ondas... brilhavam, faróis... dilaceravam o corpo e a alma.
Eram mãos trêmulas, frias. Borboletas saltando de dentro pra dentro.
Olhares facilmente decifráveis.
Quem ali estivesse podia perceber a ligação de alma entre eles.
Olhos ilegais...
Sensação proibida pelos humanos e permitida pelos deuses e semideuses que rodeavam aquelas almas sedentas uma da outra.
Reféns de uma vontade de querer.
Pareciam tomados de uma saudade. Saudade do que não se viveu nessa vida, talvez noutra – ele dizia.
Todo querer habitava. Sem saber por que, nem pra que. Somente querer! Verbo transitivo direto. Sentido próprio. Não precisa de complemento pra fazer sentido. Simplesmente querer!
De tanto querer, aqueles olhos me encontraram. Depois dos tempos juvenis, quase infantis, ele me buscou e me tomou pra si.
E o que já era mágico simplesmente por existir, tornou-se maior. Porque agora era o cheiro, o gosto, o som. O querer mais, por querer sempre.
Abriu minhas janelas emperradas, arejando meu âmago.
Olhos de anjo, que se colocavam sobre mim e apagavam a angustia do mundo real.
Hoje queria um sussurro de encanto pra congelar o tempo.
Porque era dos minutos que me alimentava. Era o que me era permitido.
Mas aquilo, somente ali, me bastava!
Porque só de encontra-lo fitando meu reflexo como nos dias de outrora, a alma se enchia daquela mesma sensação de tempos atrás, de vidas vividas.
E bastava!
Ele me pergunta por que olho tanto pra ele...
– É pra não perder aqueles olhos que um dia foram meus e que me servia de morada.
Emoldurarei teus olhos, em paredes caiadas das memórias de um tempo onde somente eles, os olhos, tinham vida latente em nós.
E nos olhos esmaltados da minha mente, carregarei comigo aquela tórrida paixão convulsionada no meu peito.